A misteriosa resistência de Serra Dante Filho* O que explica a resistência da candidatura de José Serra à presidência da Republica? O Brasil inteiro sabe: há mais de dois anos Lula agita freneticamente sua candidata na cara do povo. Vem investindo os tufos e não medindo esforços para viabilizá-la eleitoralmente. Colocou à sua disposição uma maquina fabulosa de propaganda, criando um clima artificial de euforia social jamais visto. Mais: montou um esquema que sedimentou uma popularidade política nunca antes experimentada por nenhum presidente brasileiro. Com isso, Lula passou por cima de seu partido, sedimentou grandes interesses financeiros, adulou empresas, bancos, empreiteiras, enfim, entupiu as elites de dinheiro, ao mesmo tempo em que concedeu benefícios sociais para milhares de pobres ( principalmente do nordeste) e seduziu a difusa classe média com concessão de créditos e financiamentos de todas as espécies. Ou seja: estabeleceu um status quo irrecusável e irresistível. No meio desse saco, amansou parcela ponderável da mídia, passando a freqüentar a sala e a cozinha da grande burguesia nacional e internacional. Ao mesmo tempo, Lula esgotou a capacidade de indignação dos setores da sociedade mais reativos com a corrupção e com os desvios morais de todo o tipo. Ou seja, o Chefe da Nação – de maneira inédita e surpreendente - desmoralizou a capacidade de se pensar moralmente nas coisas e nas instituições. Anestesiou os sentimentos daqueles que sonham com um País mais ético e educado, abrindo uma funda picada no centro político para dar assento à barbárie e ao jogo bruto, reconceitualizando um novo modelo de alpinismo social. Com todo esse arsenal de convencimento nas mãos, era de se imaginar que a candidata de sua escolha estaria a essa altura do campeonato – à medida fosse se tornando mais e mais conhecida - destinada irreversivelmente à presidência da República. Notem: o Governo Lula tem uma economia favorável, um discurso bem ajambrado, popularidade, cargos de confiança à larga, base partidária fisiológica, alianças regionais clientelista, portanto, a candidatura que apontou no dedaço deveria, em tese, há muito ter definido o jogo da sucessão. Nas estimativas mais recentes, com todo esse patrimônio nas mãos, a candidata de Lula deveria ter nas mais modestas pesquisas algo em torno de 55 e 58% das indicações de votos, conforme vários especialistas. Ela tem mais apoio político, mais dinheiro – vide a divulgação de arrecadação eleitoral -, mais máquina, uma equipe de profissionais de marketing monumental, uma militância ansiosa e temente por perder cargos e posições nas repartições e estatais, uma rede capilarizada nas universidades, sindicatos, serviço público etc (atualmente espalhando medo e gerando desconfianças em claros gestos de desonestidade intelectual), enfim, ela tem o peso do Estado a esmagar as pretensões aturdidas de uma oposição que ainda busca um eixo para estabelecer o discurso que lhe dê a chance de vitória. Mesmo assim, Serra resiste. Ele cravou um padrão de preferência do eleitor e não larga dele. Há mais de seis meses, Serra oscila na zona cinzenta das preferências entre 35 e 40% na media das pesquisas. Pelo Datafolha – instituto que utiliza a melhor metodologia estatística do País – Serra está na frente. No geral, ele está empatado tecnicamente com a candidata de Lula, antes do início do horário eleitoral gratuito. Qual a razão? Olhando do alto, tudo desfavorece Serra. Mas ele luta contra a lógica, ou seja, a lógica estabelecida pelos marqueteiros e colunistas que se acostumaram a uma planilha fixa para analisar o contexto eleitoral. Por mais que se avaliem os números, ouçam-se os palpiteiros, embarquem-se nas ficções criadas pelo jornalismo a soldo do poder, nada explica com clareza a resiliência surpreendente da candidatura Serra. A questão intriga e exaspera. A auto-suficiência de Lula e do PT corre o risco de se esgotar caso as próximas pesquisas indique lentidão das mudanças no quadro de preferência. Se Serra continuar segurando o processo do jeito que está é muito provável que vença a eleição. O que o consórcio atual montado pelo petismo não está conseguido compreender com clareza é que a realidade que Lula ajudou a construir (algo que, a rigor, vem sendo edificada desde a redemocratização do País, passando por Collor, Itamar e FHC) acabe se tornando o eixo gerador de uma mudança que recoloque o poder novamente nas mãos do tucanato. A ascensão social (a turma Dops estratos B, C e D) de milhares de eleitores está provocando também uma gradual mudança de mentalidade. De repente, quando se esperava que a eleição presidencial consolidasse o “voto do agradecimento”, a surpresa poderá ser convertida pelo “voto do descolamento” de uma classe na direção de outra. Claro, esta pode ser mais uma especulação como tantas outras que tem tido repercussão no mercado eleitoral. Ainda assim, nada por enquanto descarta a idéia de que, de repente, o eleitor da base – aquele que a classe letrada considera de baixa escolaridade, desinformado e suscetível à venda de votos – poderá, no decorrer da campanha, escolher o projeto tucano em decorrência de um processo mental de maior identificação com o partido (ou candidatura) que representa sua nova posição de classe social. Nada mais emblemático do que a divulgação de pesquisa econômica recente mostrando que cerca de 30% dos segmentos C e D vem gastando em média 68% de seu orçamento doméstico com compras de produtos de grife de alto luxo. Em resumo: os atuais índices de pesquisa eleitoral mostram que a durabilidade do empate técnico entre os dois principais candidatos à presidência contém elementos que não permitem análises simplistas baseadas em pareceres impressionistas. Como se diz, o buraco é mais profundo. Sempre. *Dante Filho é jornalista
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