O que é o pragmatismo?
Foto: Richard Rorty (1931-2007), um dos principais filósofos do pragmatismo
“Paulo, conte para mim o que é o pragmatismo, mas de modo simples” – esta é uma das perguntas freqüentes que me fazem, via internet ou pessoalmente. Caso eu fosse outro tipo de filósofo, eu diria o que se popularizou falar de Aristóteles ao ensinar Alexandre:”não há atalho real na filosofia”. Há de se amassar o barro, aprender muita coisa antes de conseguir definições simples – é assim que muitos filósofos pensam. Outros, ainda, imaginam que nem mesmo amassando o barro!As respostas sempre serão complexas no campo filosófico. Mas, nós pragmatistas, não pensamos assim.
Imaginamos que há inúmeras respostas complexas na filosofia. Mas sabemos que uma parte delas pode ser colocada de uma maneira útil para os que não fazem do seu negócio a filosofia. Assim, para nós pragmatistas, o pragmatismo pode ser mostrado ao leigo em filosofia, como qualquer outra doutrina filosófica também pode.
O pragmatismo não é uma doutrina da utilidade. Nem é uma doutrina que diz que a verdade é o útil. Quem diz isso é vítima da simplificação. Ou seja, não conseguiu explicar corretamente pois, ao querer ser didático, acabou errando. Ou, talvez, tenha feito tal coisa para, depois, com mais facilidade, criticar o pragmatismo. Afinal, o pragmatismo é uma filosofia nativa dos Estados Unidos, e há várias pessoas que vêem os Estados Unidos como os gauleses de Axterix olham para os romanos: os tomam como imperialistas violentos, e tolos, ingênuos. Mas como Axterix é um personagem de ficção, o melhor é voltar ao campo real e tomar o pragmatismo como uma filosofia autêntica, e não o embrulho de preconceitos que muitos colocam em suas próprias cabeças para ... não filosofar de modo algum (e, em geral, muitos que se dizem filósofos, são os que menos filosofam, pois estão carregados de preconceitos).
A doutrina pragmatista pode ser explicada a partir do exemplo de Sartre, na célebre conferência “O existencialismo é um humanismo”. Ele diz ali que quando alguém procura um padre para obter resposta para uma pergunta, já sabe o que vai ouvir, mas quando procura a ele, filósofo, também já sabe. Todavia, isso não quer dizer que as respostas sejam equivalentes. A do padre, em geral, é sempre a mesma, pois não vai poder sair da doutrina estabelecida (ou deixará de ser padre). A do filósofo existencialista, em geral, também será sempre do mesmo padrão: “invente seu caminho”, dirá o existencialista. São respostas padronizadas, mas não levam ao mesmo ponto. Uma, é resposta mesmo, no sentido comum do termo. Outra, é sugestão para usar a imaginação e lhe devolver a responsabilidade. A doutrina pragmatista tem mais a ver com a segunda do que com a primeira. No entanto, o pragmatismo não fica só nisso, como deveria ficar o existencialismo.
O filósofo pragmatista poderia dizer mais. E, em geral, diz mesmo. Ele diz: “use a imaginação, responsabilize-se pelo que inventar, mas ...”. Sim! Há uma “mas”. Há uma sugestão positiva: “aposte na decisão mais vantajosa para você”.
É aqui que os críticos aparecem. Eles dizem que tal posição não é ética, pois a sugestão do pragmatista é a de seguir a vantagem. Mas essa objeção não tem validade alguma, pois o inverso raramente ocorre. Quem apostaria na decisão desvantajosa, inútil ou nociva, estando mentalmente sadio? Ninguém. A maioria de nós coloca as fichas em enunciados que apontam para decisões que trazem as melhores vantagens, é claro que ponderando tudo que há para se ponderar e segundo as informações disponíveis e acessadas sobre o caso,.
Bem, a oposição a isso, em geral, é a seguinte: suponhamos que você está em um navio e ele vai afundar, e há somente uma bóia pequena, que não dá para dois, embora existam duas pessoas ali, você e outro, então, o que você faria segundo a doutrina pragmatista? Bem, quem faz a objeção à doutrina pragmatista diz que você, escolhendo a vantagem, pegará a bóia e deixará o outro morrer. Que ética haveria nisso?
Mas não é isso que o pragmatista defende. O que o pragmatista diz é que você irá ponderar as vantagens. Caso seu colega de navio for um nazista, você deixaria a bóia para ele? Não, não é vantagem nem para você nem para ninguém, a não ser para ele próprio e para os nazistas, que, sem dúvida, você não acredita que devam ter vantagens. Agora, suponhamos que você saiba que é uma pessoa de bem. Então, haverá vantagem em tomar a bóia dela? Uma vez em terra, tendo sido o responsável pela morte daquela pessoa, aquilo foi uma vantagem? Você poderá viver com tal peso? Será uma grande desvantagem se alguém ficar sabendo. Será uma grande desvantagem se ninguém ficar sabendo, mas você tiver remorsos e não puder viver com tal peso nas costas. Mas e se você não tiver remorso algum, ou só um pouco de tristeza, e se ninguém ficar sabendo, você não terá tido vantagem, a sugestão pragmatista não valeu para você?
É claro que não, pois, nesse caso, você é que é o nazista, que mata e pode dizer “era eu ou ele” ou “segui ordens” (neste caso, a ordem da biologia: a sobrevivência). E sendo você o nazista, não há qualquer necessidade de filosofia (a pragmatista ou qualquer outra) para tomar decisão, pois ela já estava tomada antes. Portanto, nesse caso, não há vantagem, o que há é uma absoluta falta de liberdade: sendo nazista, tudo que há na sua frente, fora Hitler ou um superior hierárquico, é a priori dispensável. Não há decisão alguma, nem invenção nem imaginação que, enfim, requerem reflexão (e o nazista segue a “filosofia da ação” – o agir se põe primeiro). Aliás, as pessoas de direita, como os nazistas, são previsíveis exatamente por causa disso.
Pragma tem a ver com prática, com experiência, e por isso falamos em pragmatismo. É uma filosofia que leva em conta a experiência, em todos os sentidos. É olhando para experiência que vemos que a vantagem tem sido uma conselheira da humanidade. Às vezes isso é tiro pela culatra. Mas teríamos outra coisa senão a experiência – a nossa e a de outros – para tomar como um guia de nossas decisões?
E então, deu para entender?
Foto: Richard Rorty (1931-2007), um dos principais filósofos do pragmatismo
“Paulo, conte para mim o que é o pragmatismo, mas de modo simples” – esta é uma das perguntas freqüentes que me fazem, via internet ou pessoalmente. Caso eu fosse outro tipo de filósofo, eu diria o que se popularizou falar de Aristóteles ao ensinar Alexandre:”não há atalho real na filosofia”. Há de se amassar o barro, aprender muita coisa antes de conseguir definições simples – é assim que muitos filósofos pensam. Outros, ainda, imaginam que nem mesmo amassando o barro!As respostas sempre serão complexas no campo filosófico. Mas, nós pragmatistas, não pensamos assim.
Imaginamos que há inúmeras respostas complexas na filosofia. Mas sabemos que uma parte delas pode ser colocada de uma maneira útil para os que não fazem do seu negócio a filosofia. Assim, para nós pragmatistas, o pragmatismo pode ser mostrado ao leigo em filosofia, como qualquer outra doutrina filosófica também pode.
O pragmatismo não é uma doutrina da utilidade. Nem é uma doutrina que diz que a verdade é o útil. Quem diz isso é vítima da simplificação. Ou seja, não conseguiu explicar corretamente pois, ao querer ser didático, acabou errando. Ou, talvez, tenha feito tal coisa para, depois, com mais facilidade, criticar o pragmatismo. Afinal, o pragmatismo é uma filosofia nativa dos Estados Unidos, e há várias pessoas que vêem os Estados Unidos como os gauleses de Axterix olham para os romanos: os tomam como imperialistas violentos, e tolos, ingênuos. Mas como Axterix é um personagem de ficção, o melhor é voltar ao campo real e tomar o pragmatismo como uma filosofia autêntica, e não o embrulho de preconceitos que muitos colocam em suas próprias cabeças para ... não filosofar de modo algum (e, em geral, muitos que se dizem filósofos, são os que menos filosofam, pois estão carregados de preconceitos).
A doutrina pragmatista pode ser explicada a partir do exemplo de Sartre, na célebre conferência “O existencialismo é um humanismo”. Ele diz ali que quando alguém procura um padre para obter resposta para uma pergunta, já sabe o que vai ouvir, mas quando procura a ele, filósofo, também já sabe. Todavia, isso não quer dizer que as respostas sejam equivalentes. A do padre, em geral, é sempre a mesma, pois não vai poder sair da doutrina estabelecida (ou deixará de ser padre). A do filósofo existencialista, em geral, também será sempre do mesmo padrão: “invente seu caminho”, dirá o existencialista. São respostas padronizadas, mas não levam ao mesmo ponto. Uma, é resposta mesmo, no sentido comum do termo. Outra, é sugestão para usar a imaginação e lhe devolver a responsabilidade. A doutrina pragmatista tem mais a ver com a segunda do que com a primeira. No entanto, o pragmatismo não fica só nisso, como deveria ficar o existencialismo.
O filósofo pragmatista poderia dizer mais. E, em geral, diz mesmo. Ele diz: “use a imaginação, responsabilize-se pelo que inventar, mas ...”. Sim! Há uma “mas”. Há uma sugestão positiva: “aposte na decisão mais vantajosa para você”.
É aqui que os críticos aparecem. Eles dizem que tal posição não é ética, pois a sugestão do pragmatista é a de seguir a vantagem. Mas essa objeção não tem validade alguma, pois o inverso raramente ocorre. Quem apostaria na decisão desvantajosa, inútil ou nociva, estando mentalmente sadio? Ninguém. A maioria de nós coloca as fichas em enunciados que apontam para decisões que trazem as melhores vantagens, é claro que ponderando tudo que há para se ponderar e segundo as informações disponíveis e acessadas sobre o caso,.
Bem, a oposição a isso, em geral, é a seguinte: suponhamos que você está em um navio e ele vai afundar, e há somente uma bóia pequena, que não dá para dois, embora existam duas pessoas ali, você e outro, então, o que você faria segundo a doutrina pragmatista? Bem, quem faz a objeção à doutrina pragmatista diz que você, escolhendo a vantagem, pegará a bóia e deixará o outro morrer. Que ética haveria nisso?
Mas não é isso que o pragmatista defende. O que o pragmatista diz é que você irá ponderar as vantagens. Caso seu colega de navio for um nazista, você deixaria a bóia para ele? Não, não é vantagem nem para você nem para ninguém, a não ser para ele próprio e para os nazistas, que, sem dúvida, você não acredita que devam ter vantagens. Agora, suponhamos que você saiba que é uma pessoa de bem. Então, haverá vantagem em tomar a bóia dela? Uma vez em terra, tendo sido o responsável pela morte daquela pessoa, aquilo foi uma vantagem? Você poderá viver com tal peso? Será uma grande desvantagem se alguém ficar sabendo. Será uma grande desvantagem se ninguém ficar sabendo, mas você tiver remorsos e não puder viver com tal peso nas costas. Mas e se você não tiver remorso algum, ou só um pouco de tristeza, e se ninguém ficar sabendo, você não terá tido vantagem, a sugestão pragmatista não valeu para você?
É claro que não, pois, nesse caso, você é que é o nazista, que mata e pode dizer “era eu ou ele” ou “segui ordens” (neste caso, a ordem da biologia: a sobrevivência). E sendo você o nazista, não há qualquer necessidade de filosofia (a pragmatista ou qualquer outra) para tomar decisão, pois ela já estava tomada antes. Portanto, nesse caso, não há vantagem, o que há é uma absoluta falta de liberdade: sendo nazista, tudo que há na sua frente, fora Hitler ou um superior hierárquico, é a priori dispensável. Não há decisão alguma, nem invenção nem imaginação que, enfim, requerem reflexão (e o nazista segue a “filosofia da ação” – o agir se põe primeiro). Aliás, as pessoas de direita, como os nazistas, são previsíveis exatamente por causa disso.
Pragma tem a ver com prática, com experiência, e por isso falamos em pragmatismo. É uma filosofia que leva em conta a experiência, em todos os sentidos. É olhando para experiência que vemos que a vantagem tem sido uma conselheira da humanidade. Às vezes isso é tiro pela culatra. Mas teríamos outra coisa senão a experiência – a nossa e a de outros – para tomar como um guia de nossas decisões?
E então, deu para entender?
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