COMIDA
O pão reencontra o queijo
Família fundadora da Forno de Minas retoma fabricação e promete sair da "briga" do biscoito de polvilho ao usar seis vezes mais queijo na massa
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando morava em uma fazenda em João Pinheiro, no interior de Minas Gerais, Maria Dalva Mendonça, 67, ralava a mandioca, extraía o polvilho e fazia com ele e um autêntico queijo Canastra, de leite cru, fornadas de pão de queijo.
O costume de preparar a quitanda mais mineira de todas, comum a tantas casas, principalmente no interior, acompanhou-a na mudança para Belo Horizonte. Fosse qual fosse a ocasião, da merenda dos filhos à festinha na escola, o pão de queijo sempre comparecia.
"Ele era muito elogiado. As mães dos colegas ligavam para pegar a receita com a minha mãe", lembra Helder Mendonça, 44, filho de Dalva. "Ela fazia numa quantidade grande para aproveitar os ingredientes e congelava para a semana toda."
Foi daí que veio, no início dos anos 90, a ideia de fundar a Forno de Minas, que começou com apenas dois funcionários em uma "lojinha alugada de 40 m2" e virou uma grande fabricante de pães de queijo congelados. Em menos de nove anos, chegou a vender 1,6 milhão de quilos por mês -o equivalente a 64 milhões de unidades do tamanho tradicional.
A primeira alteração
Ao sair do âmbito caseiro para o industrial, a receita de Maria Dalva sofreu a primeira mudança. O Canastra teve de sair, porque a legislação brasileira não permite o uso de queijo feito com leite não pasteurizado, e dar vez a uma mistura de Minas padrão (este sim, fabricado com leite pasteurizado) e parmesão, "para dar um saborzinho" e tentar reproduzir o gosto levemente picante do incomparável queijo Canastra.
Vendida dez anos atrás para a americana Pilsbury, que um ano depois foi comprada por outra multinacional americana, a General Mills, a Forno de Minas mudou bastante. Da receita de pão de queijo, diz a família Mendonça, pouca coisa restou. A começar pela quantidade de queijo usada na massa.
"A Pilsbury fez uma proposta boa. Não tínhamos como não vender. Topamos e continuamos fornecendo o queijo, o que não foi um projeto bem-sucedido, porque eles foram diminuindo a quantidade de queijo. Virou um biscoito de polvilho", diz Helder Mendonça.
Seis vezes mais queijo
Recomprada há cerca de dois meses pelos fundadores mineiros, a Forno de Minas tem agora a "missão de resgatar a qualidade do pão de queijo". Para transformar o "biscoito de polvilho" em pão de queijo novamente, Mendonça diz que usarão "seis vezes mais queijo".
"Aqui em Belo Horizonte, as pessoas voltaram a fazer pão de queijo em casa, porque todo mundo [as outras marcas de pão de queijo congelado] seguiu por esse caminho. Resolveram tirar queijo para baixar o custo e passaram a vender polvilho com aroma de queijo."
Por ora, segundo ele, apesar da retomada, a formulação ainda não é a ideal. "Usávamos um outro padrão de queijo e voltamos bem na época da entressafra de leite, quando a produção cai. Não tínhamos esse estoque de queijo nos laticínios. Estamos usando um blend com queijo estepe fabricado por nós e um parmesão argentino."
Entre outubro e novembro, quando aumentar a oferta de leite, a empresa diz que fabricará "o queijo ideal", uma "formulação especial" para "fazer um queijo parecido com o Canastra". "Apesar de ser com leite pasteurizado, usamos um fermento que dá um sabor picante que lembra o Canastra."
O professor de cozinha prática Alexandre Frigo, 45, do Senac Minas Gerais, onde há um curso só sobre quitandas mineiras, entre elas o pão de queijo, diz que "por onde quer que se viaje no Estado, interior afora, pão de queijo é quesito básico". "Toda família faz. É uma questão de tradição", diz. "E é o queijo que confere sabor. Não pode ser um com grande volume de água. Tem de ser um mais duro, mais seco."
De iguaria a commodity
A quantidade de queijo não foi a única alteração. Os processos também foram mudados para facilitar e baratear o processo de fabricação e afetaram a qualidade dos pães de queijo da marca, segundo Mendonça.
"No escaldamento, necessário para gelatinizar o amido do polvilho, trocaram o leite por água. Agora, estamos voltando com o leite. Fora outras alterações em tempo e temperatura", diz. "Quando me ligaram para comunicar o fechamento da fábrica, a primeira pergunta que eu fiz foi por que tomaram a decisão de mudar tanto o produto. Disseram que o pão de queijo virou commodity. Aí, entendi. O pão de queijo, que é uma iguaria, virar commodity? Não tinha como dar certo mesmo."
E os preços vão subir? "Com seis vezes mais queijo, o valor vai ser alterado, sim. Vamos sair da briga do biscoito de polvilho, do pão de queijo sem queijo. Vamos voltar a fazer pão de queijo com queijo", diz.
O pão reencontra o queijo
Família fundadora da Forno de Minas retoma fabricação e promete sair da "briga" do biscoito de polvilho ao usar seis vezes mais queijo na massa
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando morava em uma fazenda em João Pinheiro, no interior de Minas Gerais, Maria Dalva Mendonça, 67, ralava a mandioca, extraía o polvilho e fazia com ele e um autêntico queijo Canastra, de leite cru, fornadas de pão de queijo.
O costume de preparar a quitanda mais mineira de todas, comum a tantas casas, principalmente no interior, acompanhou-a na mudança para Belo Horizonte. Fosse qual fosse a ocasião, da merenda dos filhos à festinha na escola, o pão de queijo sempre comparecia.
"Ele era muito elogiado. As mães dos colegas ligavam para pegar a receita com a minha mãe", lembra Helder Mendonça, 44, filho de Dalva. "Ela fazia numa quantidade grande para aproveitar os ingredientes e congelava para a semana toda."
Foi daí que veio, no início dos anos 90, a ideia de fundar a Forno de Minas, que começou com apenas dois funcionários em uma "lojinha alugada de 40 m2" e virou uma grande fabricante de pães de queijo congelados. Em menos de nove anos, chegou a vender 1,6 milhão de quilos por mês -o equivalente a 64 milhões de unidades do tamanho tradicional.
A primeira alteração
Ao sair do âmbito caseiro para o industrial, a receita de Maria Dalva sofreu a primeira mudança. O Canastra teve de sair, porque a legislação brasileira não permite o uso de queijo feito com leite não pasteurizado, e dar vez a uma mistura de Minas padrão (este sim, fabricado com leite pasteurizado) e parmesão, "para dar um saborzinho" e tentar reproduzir o gosto levemente picante do incomparável queijo Canastra.
Vendida dez anos atrás para a americana Pilsbury, que um ano depois foi comprada por outra multinacional americana, a General Mills, a Forno de Minas mudou bastante. Da receita de pão de queijo, diz a família Mendonça, pouca coisa restou. A começar pela quantidade de queijo usada na massa.
"A Pilsbury fez uma proposta boa. Não tínhamos como não vender. Topamos e continuamos fornecendo o queijo, o que não foi um projeto bem-sucedido, porque eles foram diminuindo a quantidade de queijo. Virou um biscoito de polvilho", diz Helder Mendonça.
Seis vezes mais queijo
Recomprada há cerca de dois meses pelos fundadores mineiros, a Forno de Minas tem agora a "missão de resgatar a qualidade do pão de queijo". Para transformar o "biscoito de polvilho" em pão de queijo novamente, Mendonça diz que usarão "seis vezes mais queijo".
"Aqui em Belo Horizonte, as pessoas voltaram a fazer pão de queijo em casa, porque todo mundo [as outras marcas de pão de queijo congelado] seguiu por esse caminho. Resolveram tirar queijo para baixar o custo e passaram a vender polvilho com aroma de queijo."
Por ora, segundo ele, apesar da retomada, a formulação ainda não é a ideal. "Usávamos um outro padrão de queijo e voltamos bem na época da entressafra de leite, quando a produção cai. Não tínhamos esse estoque de queijo nos laticínios. Estamos usando um blend com queijo estepe fabricado por nós e um parmesão argentino."
Entre outubro e novembro, quando aumentar a oferta de leite, a empresa diz que fabricará "o queijo ideal", uma "formulação especial" para "fazer um queijo parecido com o Canastra". "Apesar de ser com leite pasteurizado, usamos um fermento que dá um sabor picante que lembra o Canastra."
O professor de cozinha prática Alexandre Frigo, 45, do Senac Minas Gerais, onde há um curso só sobre quitandas mineiras, entre elas o pão de queijo, diz que "por onde quer que se viaje no Estado, interior afora, pão de queijo é quesito básico". "Toda família faz. É uma questão de tradição", diz. "E é o queijo que confere sabor. Não pode ser um com grande volume de água. Tem de ser um mais duro, mais seco."
De iguaria a commodity
A quantidade de queijo não foi a única alteração. Os processos também foram mudados para facilitar e baratear o processo de fabricação e afetaram a qualidade dos pães de queijo da marca, segundo Mendonça.
"No escaldamento, necessário para gelatinizar o amido do polvilho, trocaram o leite por água. Agora, estamos voltando com o leite. Fora outras alterações em tempo e temperatura", diz. "Quando me ligaram para comunicar o fechamento da fábrica, a primeira pergunta que eu fiz foi por que tomaram a decisão de mudar tanto o produto. Disseram que o pão de queijo virou commodity. Aí, entendi. O pão de queijo, que é uma iguaria, virar commodity? Não tinha como dar certo mesmo."
E os preços vão subir? "Com seis vezes mais queijo, o valor vai ser alterado, sim. Vamos sair da briga do biscoito de polvilho, do pão de queijo sem queijo. Vamos voltar a fazer pão de queijo com queijo", diz.
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