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Otávio viu o vinho Como o maior importador da América Latina pôs tintos e brancos na mesa do brasileiro Aida Veiga Antonio Milena Piva: no currículo do rei do vinho, a invenção do alemão da garrafa azul e o sucesso do chileno Sunrise Eduardo Pozella O maior império brasileiro do vinho começou em 1978, com uma campanha similar à da venda de cosméticos em domicílio: meia dúzia de pessoas que nem consumiam a bebida ia bater à porta das famílias ricas de São Paulo portando debaixo do braço uma minigeladeira com um par de vinhos brancos alemães, alguns tintos chilenos e taças para degustação. Naquela época o consumo per capita de vinho no Brasil era de menos de meio litro por ano e tomava-se uísque e caipirinha para acompanhar refeições. Hoje o consumo pulou para 2 litros – ainda uma gota, se comparado aos 50, 60 litros per capita na Europa, mas um salto respeitável no currículo da bebida, que vem tomando o lugar dos destilados nas festas, nas prateleiras dos supermercados, no cardápio dos restaurantes e nos jantares familiares. Um brinde a Otávio Piva de Albuquerque, 48 anos, que teve a idéia de vender vinho de porta em porta, fez de sua importadora, a Expand, a maior da América Latina e com ela montou num shopping center de São Paulo a Domaine Sainte-Marie, segunda maior loja de vinhos do mundo. "Ele fez um trabalho de formiguinha, convencendo as pessoas a provar uma bebida desconhecida", elogia o empresário e enólogo paulista István Wessel. "Foi o desbravador do mercado e, até hoje, é quem melhor promove a bebida no país", concorda Arthur Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). A força de Piva, e da Expand, é medida em litros. Milhões deles. Em 1991, quando as fronteiras se abriram aos importados, entraram no Brasil 2 milhões de litros de vinhos ditos "finos" (de Sunrise para cima). Neste ano são 12 milhões, sendo 40% deles trazidos pela Expand. Em seu depósito de 2.500 metros quadrados, à beira da Rodovia Raposo Tavares, empilham-se 30 000 caixas, com cerca de 300 000 garrafas de vinho. A Domaine Sainte-Marie, uma das cinco lojas de Piva, abriga 18 000 garrafas de 2.250 rótulos diferentes. Bandeira bem fincada em São Paulo, Piva se prepara para desbravar outras áreas. Neste mês abriu lojas no Rio de Janeiro e em Salvador. Até o final de 2001, planeja mais trinta. Será a primeira rede de franquia de vinho do país. Na década de 70, Piva era consumidor de cerveja, não conhecia vinho e trabalhava em uma empresa de comércio exterior. Incumbido de ir ao Chile negociar com uma vinícola, saiu completamente bêbado do jantar oferecido pelos produtores. Mas fechou negócio, fez bons contatos e, em 1978, a mesma vinícola, Cosiño Macul, tornou-se seu primeiro fornecedor, quando abriu a Expand. Escorado nos vinhos chilenos, foi se firmando num mercado ainda reduzido e fechado. Em 1980, negociava na Alemanha a compra de vinhos brancos adocicados que haviam caído nas graças dos brasileiros quando viu, por acaso, uma garrafa azul. Teve ali o estalo de juntar os dois, e deu no que deu: uma inundação do hoje esnobado Liebfraumilch, embora muita gente boa tenha bebido dele. "Era apenas uma embalagem comemorativa, mas convenci os alemães de que o público brasileiro iria comprar por causa do visual", lembra ele. Em meados dos anos 90, em outra aposta acertada, estimulou a vinícola Concha y Toro, a maior do Chile, a produzir um vinho de bom preço, orientado para o mercado brasileiro. Nascia o Sunrise, primeiro vinho importado a aparecer em outdoors e ter uma campanha publicitária na televisão (bancada por Piva). Virou campeão de vendas: de 2 000 caixas ao ser lançado, em 1997, saltou para 150 000 neste ano. "Nem o Lieb da garrafa azul nem o Sunrise têm grande qualidade. Mas foi com eles que Piva fez o brasileiro migrar da cerveja para o vinho", diz Wessel. Piva venceu nos negócios porque, até os concorrentes admitem, é corajoso e tem boas idéias. Para incentivar o consumo, ofereceu seus vinhos em consignação aos restaurantes. Preocupado com a conservação adequada, montou uma fábrica de adegas climatizadas. Promoveu cursos para sommeliers em todo o país e pagou aos mais promissores aulas de francês e estágios no exterior. Patrocina com freqüência a vinda ao Brasil dos maiores fabricantes de vinho do mundo. Neste ano, levou o presidente e o enólogo principal da Concha y Toro até Domingos Martins, cidade a 50 quilômetros de Vitória, Espírito Santo, onde acontecia um curso com degustação de vinhos. Em um fim de semana foram consumidas oitenta garrafas das onze melhores safras de Don Melchor (60 a 150 reais cada uma) – tudo por conta da Expand, que também levou 3.000 taças de cristal Riedel e garçons treinados. "Nenhum concorrente tem cacife para promoções desse porte", afirma o sommelier Azevedo. Nem todas as idéias de Piva saem da sua cabeça – vira e mexe, um ex-funcionário, ou um concorrente, o acusa de se apropriar de invenções alheias. Pode ser, até porque Piva não desgruda de uma caneta e um bloquinho onde anota toda informação que lhe possa ser útil. A diferença é que, venha de onde vier, se acha que a idéia é boa, ele a põe em prática. O enólogo Mauro Marcelo Alves conta, sem ressentimento, que o empresário já se apropriou de recomendações suas, como a de oferecer champanhe Gosset com sushi e sashimi, porque combina com alimentos crus. "Ele não está roubando ninguém. É esperto e inteligente", elogia Alves. Empenhado em fincar o vinho na mesa da classe média, Piva nunca perdeu de vista as vantagens de cultivar fregueses abonados e famosos. "Eu jamais havia tomado uma taça de vinho, mas ele me contratou porque eu vendia piscinas para os ricos de São Paulo", conta Elídio Lopes, um dos primeiros vendedores da Expand, que recentemente abriu sua própria importadora. Fazem parte da lista vip da Expand consumidores de alto coturno, como Paulo Maluf (freguês desde 1982), José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Emerson Fittipaldi, Ed Motta, o empresário Roberto Baumgart e o publicitário Nizan Guanaes. Bisneto de imigrantes italianos, criado em ambiente de classe média, Piva tem laços de família bem conhecidos. É primo distante de Horácio Piva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). É sobrinho do brigadeiro Hugo Piva, pioneiro do programa espacial brasileiro. E é irmão de Eliana Tranchesi, a dona da sofisticada butique Daslu – os dois eram sócios na loja, fundada pela mãe, Maria Lúcia, mas no ano passado Piva vendeu sua parte para ampliar o Empório Santa Maria, um entreposto de produtos alimentícios de alta qualidade. Afinadíssimos, os dois irmãos fazem a festa no mercado de luxo: neste ano, o faturamento da Daslu deve bater nos 130 milhões de reais e o da Expand, nos 120 milhões. Mesmo assim, Piva não é dado a abusos. Tem no depósito garrafas de Romanée Conti de 13 000 dólares, mas em casa não abre vinhos caríssimos (veja quadro). Apesar da pressão da mulher, Tânia, não liga para grifes. "Acho que a Tânia compra roupa para ele escondido, tira a etiqueta e mistura entre as mais velhas", brinca Eliana. Católico fervorosíssimo, devoto de Nossa Senhora, Piva integra a coordenação do Congregado Mariano de São Paulo, faz retiro, reza diariamente, vai com a família à missa aos domingos e, todo sábado, visita necessitados. "Somos todos religiosos, mas isso é mais forte no Otávio. Tivemos de aprender a respeitar e a aceitar", diz Tânia. A religião afeta, inclusive, os negócios. Por causa do nome e da imagem no rótulo, Piva recusa-se a importar o vinho Casillero del Diablo, um dos únicos da Concha y Toro que não representa.

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