[+] USA >> POR KATHLEEN PARKER
Algo aconteceu
A cena diante da casa do presidente parecia uma festa universitária. Perto das 2h30, a festa ainda estava em pleno vapor, embora a Casa Branca tivesse apagado os holofotes que sempre a deixam iluminada
QUE DIFERENÇA faz um dia.
Não é possível exagerar a importância do que aconteceu nos Estados Unidos em 4 de novembro de 2008.
A eleição do afro-americano Barack Obama para a Presidência deste país marcado pela escravidão não foi nada menos que uma revolução.
Um abalo sísmico. Um marco absoluto na história americana, que ficará dividida entre o antes e o depois.
Comecemos por aqui: perto da meia-noite, uma hora depois da notícia de que Obama vencera e momentos após seu discurso de aceitação da Presidência, ouço um rugido na calçada. Saio à rua e vejo centenas de pessoas -exércitos de festeiros- correndo pela M Street, a artéria principal que percorre o bairro histórico de Georgetown e faz a conexão com Pennsylvania Avenue [onde fica a Casa Branca].
Buzinas soam, pessoas aplaudem, cachorros latem. Parecia Pamplona, sem touros.
A multidão se movimentava em arranques e paradas, enquanto onda após onda de pessoas, em sua maioria jovens, avançavam em direção à Casa Branca, distante mais ou menos um quilômetro e meio. As pessoas corriam. Chamavam táxis. Cumprimentavam-se, batendo mão contra mão em gesto de otimismo. Erguiam garrafas de vinho.
Um táxi repleto, com sete ou oito rapazes e moças, fez espaço para eu passar. "Esta noite todo o mundo vai transar!", gritou um dos jovens.
Uma multidão de milhares de pessoas se reunira espontaneamente diante da Casa Branca. As pessoas gritavam "Obama, Obama, Obama".
Todos eram só sorrisos.
"Sim, nós conseguimos!
Sim, nós conseguimos! Sim, nós conseguimos!"
A cena na rua diante da casa do presidente parecia uma gigantesca festa universitária.
As pessoas dançavam, faziam pose para fotos. Quando fui embora, perto das 2h30, a festa ainda estava em pleno vapor, embora a Casa Branca tivesse apagado os holofotes que sempre a deixam iluminada à noite.
Em meio a toda a festança, a Casa Branca ficou escura.
O Dia Seguinte: os americanos não conseguem parar de falar sobre o que aconteceu. E, embora muitos não tenham conseguido o presidente que queriam, a maioria admite sentir orgulho deste momento. Na América isso pode realmente acontecer.
Ao longo de todo o dia, na quarta-feira, em todas as conversas que tive, as pessoas admitiram que se sentiam diferentes. Diziam que se sentiam liberadas. Livres de tudo aquilo -do sentimento de culpa, da dor, do doloroso legado da escravidão, das leis segregacionistas Jim Crow e do peso da questão racial.
Eu estava conversando com um maquiador afro-americano antes de ir ao ar na quarta-feira. Ambos reconhecemos que sentíamos como se algo tivesse sido removido pela eleição de Obama, como se um câncer tivesse sido extirpado.
É aquela coisa da raça, a consciência não dita da diferença. Negros e brancos vivem de maneira cooperativa, na maioria dos casos, há décadas, e em muitos casos como companheiros. Mesmo assim, sempre havia aquela sensação pequena de que um é negro e o outro é branco. A raça não nos define, mas faz parte de quem somos. Apesar de nossos maiores esforços para transcender a cor, brancos e negros têm experiências diferentes.
A votação da terça-feira pareceu mudar tudo isso. Por aclamação comum, o país se uniu e se redefiniu, elegendo um homem pós-racial -metade negro, metade branco. As pessoas se autorizaram a dizer "pusemos fim a tudo isso".
Ninguém imagina que a vida nos Estados Unidos vá de uma hora para outra ficar repleta de paz, amor, corações e flores. Na verdade, a maioria das pessoas reconhece que em poucos momentos os desafios que nos confrontam foram maiores do que agora, e que temos pela frente dias de austeridade e luta.
Mas há a esperança de que, após 16 anos de divisões partidárias amargas e discurso civil pouco civilizado, a eleição de Obama tenha unificado uma nação. Esperemos que não seja por pouco tempo.
No momento em que escrevo a América está de ressaca, exaurida após uma campanha interminável, exausta de tanto comemorar. Mas há algo perceptível no ar. Alguma coisa está diferente. Talvez seja o alívio de poder deixar o passado para trás.
Seja o que for o que "isso" é, que possa persistir!
Tradução de CLARA ALLAIN
KATHLEEN PARKER é colunista do "Washington Post" e comentarista da NBC; ela escreveu esta coluna para a Folha
Algo aconteceu
A cena diante da casa do presidente parecia uma festa universitária. Perto das 2h30, a festa ainda estava em pleno vapor, embora a Casa Branca tivesse apagado os holofotes que sempre a deixam iluminada
QUE DIFERENÇA faz um dia.
Não é possível exagerar a importância do que aconteceu nos Estados Unidos em 4 de novembro de 2008.
A eleição do afro-americano Barack Obama para a Presidência deste país marcado pela escravidão não foi nada menos que uma revolução.
Um abalo sísmico. Um marco absoluto na história americana, que ficará dividida entre o antes e o depois.
Comecemos por aqui: perto da meia-noite, uma hora depois da notícia de que Obama vencera e momentos após seu discurso de aceitação da Presidência, ouço um rugido na calçada. Saio à rua e vejo centenas de pessoas -exércitos de festeiros- correndo pela M Street, a artéria principal que percorre o bairro histórico de Georgetown e faz a conexão com Pennsylvania Avenue [onde fica a Casa Branca].
Buzinas soam, pessoas aplaudem, cachorros latem. Parecia Pamplona, sem touros.
A multidão se movimentava em arranques e paradas, enquanto onda após onda de pessoas, em sua maioria jovens, avançavam em direção à Casa Branca, distante mais ou menos um quilômetro e meio. As pessoas corriam. Chamavam táxis. Cumprimentavam-se, batendo mão contra mão em gesto de otimismo. Erguiam garrafas de vinho.
Um táxi repleto, com sete ou oito rapazes e moças, fez espaço para eu passar. "Esta noite todo o mundo vai transar!", gritou um dos jovens.
Uma multidão de milhares de pessoas se reunira espontaneamente diante da Casa Branca. As pessoas gritavam "Obama, Obama, Obama".
Todos eram só sorrisos.
"Sim, nós conseguimos!
Sim, nós conseguimos! Sim, nós conseguimos!"
A cena na rua diante da casa do presidente parecia uma gigantesca festa universitária.
As pessoas dançavam, faziam pose para fotos. Quando fui embora, perto das 2h30, a festa ainda estava em pleno vapor, embora a Casa Branca tivesse apagado os holofotes que sempre a deixam iluminada à noite.
Em meio a toda a festança, a Casa Branca ficou escura.
O Dia Seguinte: os americanos não conseguem parar de falar sobre o que aconteceu. E, embora muitos não tenham conseguido o presidente que queriam, a maioria admite sentir orgulho deste momento. Na América isso pode realmente acontecer.
Ao longo de todo o dia, na quarta-feira, em todas as conversas que tive, as pessoas admitiram que se sentiam diferentes. Diziam que se sentiam liberadas. Livres de tudo aquilo -do sentimento de culpa, da dor, do doloroso legado da escravidão, das leis segregacionistas Jim Crow e do peso da questão racial.
Eu estava conversando com um maquiador afro-americano antes de ir ao ar na quarta-feira. Ambos reconhecemos que sentíamos como se algo tivesse sido removido pela eleição de Obama, como se um câncer tivesse sido extirpado.
É aquela coisa da raça, a consciência não dita da diferença. Negros e brancos vivem de maneira cooperativa, na maioria dos casos, há décadas, e em muitos casos como companheiros. Mesmo assim, sempre havia aquela sensação pequena de que um é negro e o outro é branco. A raça não nos define, mas faz parte de quem somos. Apesar de nossos maiores esforços para transcender a cor, brancos e negros têm experiências diferentes.
A votação da terça-feira pareceu mudar tudo isso. Por aclamação comum, o país se uniu e se redefiniu, elegendo um homem pós-racial -metade negro, metade branco. As pessoas se autorizaram a dizer "pusemos fim a tudo isso".
Ninguém imagina que a vida nos Estados Unidos vá de uma hora para outra ficar repleta de paz, amor, corações e flores. Na verdade, a maioria das pessoas reconhece que em poucos momentos os desafios que nos confrontam foram maiores do que agora, e que temos pela frente dias de austeridade e luta.
Mas há a esperança de que, após 16 anos de divisões partidárias amargas e discurso civil pouco civilizado, a eleição de Obama tenha unificado uma nação. Esperemos que não seja por pouco tempo.
No momento em que escrevo a América está de ressaca, exaurida após uma campanha interminável, exausta de tanto comemorar. Mas há algo perceptível no ar. Alguma coisa está diferente. Talvez seja o alívio de poder deixar o passado para trás.
Seja o que for o que "isso" é, que possa persistir!
Tradução de CLARA ALLAIN
KATHLEEN PARKER é colunista do "Washington Post" e comentarista da NBC; ela escreveu esta coluna para a Folha
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