Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NINA HORTA
Umas tapas no nosso bar
O leitor quer um descanso de resenhas de livros, de sociologês barato, quer comida barata, isso sim
UM TAPINHA não dói! Principalmente na Espanha. Comer tapas, tapear, bebericar e conversar. Um cheiro de presunto cru no ar.
Um leitor me escreveu dizendo ter saudades das receitas. Quer receitas? Mas nem pensar em desagradar a um leitor, nem pensar.
Imagino que as tapas espanholas vão caber neste nosso bar.
Duas xícaras de azeitonas verdes marinadas com uns seis alhos amassados, duas colheres de raspa de tangerina, umas rodelas de limão, azeite, louro, pimenta em flocos, uma pitada de cominho. Cinco dias.
Entendi, o leitor quer um descanso de resenhas de livros, de sociologês e filosofês barato, quer comida barata, isso sim.
Os espanhóis têm ótimas coisas em lata, e nós curtimos nossos preconceitos de latarias há muito tempo. Em minha casa, nunca entrou uma lata de extrato de tomate, nem sei o gosto. Em compensação, fizemos uma experimentação às cegas, de atum, e ganhou o brasileiro Coqueiro. Foi uma alegria. É só abrir a lata. Uma cebola terá sido previamente cortada e posta a marinar em vinho tinto. (Para falar a verdade, nem precisa marinar em nada.) Na hora, é só escorrer e misturar. Pode pôr uma colherinha de maionese e umas torradas boas ao lado.
Sopa fria é com eles (com todo mundo, menos nós). São refrescantes, mas não fazem nosso estilo. Falta de costume, só isso, ninguém com sede e fome pode dispensar um gazpacho geladinho. E as invenções em torno dele são tantas. Sopa de morango com funcho, tendo como base uma xícara de pão velho sem casca, demolhado por uns dez minutos e cozido com os morangos em um caldo. Bate-se. O funcho entra no fim, cru, em filetes mínimos.
Muita gente, principalmente os políticos, se lembra da salada russa. Batata, cenoura, ervilhas, ovos duros picados e, talvez, o indefectível atum. Maionese Hellmann's e amasse bem, não tanto como um patê, mas que deixe as pessoas confusas, sem saber porque aquela lembrança súbita de almoço de domingo.
Uma espanhola querida me ensinou um dos pratos de que mais gosto. Fazia a lentilha com pequenas peras duras, inteiras, com cabinho e tudo. E, na hora de servir, prato fundo, uma concha de lentilhas, uma pera em pé, azeite e vinagre bom num fio, por cima... Uhm.
Um dos melhores petiscos é sardinha frita muito sequinha, que se pode comer toda, inclusive o rabo, mas quase impossível fazer numa casa, pois fica cheirando por anos a fio.
Não adianta um exaustor de última geração. Não adianta. Tudo que é feito com grão-de-bico é bom. Lembro de um espanhol recém-chegado que foi trabalhar na nossa casa e se recusava a comer. "E as codornas com grão-de-bico?"
Sabem que o Ferran Adrià escreveu um livro de comida caseira com ingredientes de supermercado? Por exemplo, compra uma galinha bem assada, pronta. Depois, faz um molho com ameixas, damascos, pignoli, um pouco de raspa de laranja e limão, vinho do Porto, canela, uma xícara de caldo (será de quadradinho?). Daí, separa o frango em partes, arruma numa forma de ir à mesa, despeja o molho por cima.
Dez minutos mais ou menos e pode servir para as visitas. (Chi, esqueci que falávamos de tapas, mas ponha um pedaço em cada prato pequeno e vira tapa.) Detesto galinha com damasco e ameixa; se é para simplificar, deixa com farofa mesmo. Não falei em camarão por causa do preço, mas pode-se pegar uma cumbuca individual daquelas pequenas, encher de azeite quente, juntar um alho com casca, uma pimenta inteira. Levar ao forno e, quando ferver, juntar dois camarões também com casca por uns três minutos. Uma cumbuca por pessoa, claro. Comer com pão.
Pronto, caro leitor, um dia sem papo cabeça para o seu alívio.
ninahorta@uol.com.br
Texto Anterior: Tentações
Próximo Texto: Comida: Ao ar livre
Índice
Comentários