"O próximo destaque mundial será a cozinha sul-americana"
Matías Palomo, chef que já trabalhou com o renomado chef Ferran Adriá, acredita que daqui quatro anos a gastronomia sul-americana irá explodir no mundo, assim como a francesa e a espanhola, no passado, e a asiática, nos dias de hoje
LAURA LOPES
Aberto há dois anos e meio, o restaurante de Palomo já foi reconhecido como sendo o melhor do Chile
Matías Palomo é um dos responsáveis por uma revolução no Chile. Ele e mais seis amigos, todos chefs, querem resgatar os sabores e os produtos chilenos mais tradicionais, da antiga cultura mapuche, e buscar outros ainda não descobertos nos terrenos inóspitos da Patagônia. Trinta anos atrás havia apenas 100 restaurantes no país. Hoje, esse número chegou a 2600. "Gastronomicamente falando, o Chile ainda é muito pobre. Coisas de 200 anos, como o foie gras, por exemplo, entraram no país há três anos", diz. "Até os passageiros do Titanic já comiam isso".
O chef só ganhou forças para encorajar essa revolução gastronômica chilena depois de aprender com grandes mestres da cozinha mundial. Trabalhou com Juán Mari Arzak, do Arzak, no País Basco, e com a estrela da gastronomia molecular Ferran Adrià, no El Bulli, eleito o melhor restaurante do mundo. Palomo afirma que há muitos fatores que contribuem para que Adriá seja considerado um fenômeno, desde a cozinha de vanguarda praticada por ele à localização do restaurante – a duas horas de Barcelona.
Nascido no México e filho de pais chilenos, Matías Palomo deixou a Europa e voltou para o Chile, onde abriu o Sukalde. Em apenas dois anos e meio, o restaurante já é considerado o melhor do país andino. Ele veio a São Paulo para a Semana do Chile no Brasil, no fim de agosto, e conversou com ÉPOCA no restaurante Tarsila, onde participou de um festival gastronômico. Depois de conceder esta entrevista a ÉPOCA, ele preparou uma receita que resgata a tradição da culinária mapuche e usa técnicas modernas da cozinha européia. Confira o vídeo no final da matéria.
ÉPOCA – Qual é a próxima grande tendência da gastronomia mundial?
Matías Palomo – A cozinha sul-americana vai ficar em evidência daqui uns quatro anos. Aqui tem um pessoal jovem que gosta muito de investigar o que existe em seus países, um pouco como faz Alex Atala, recuperando ingredientes da Amazônia. No Chile, estamos buscando o que tem na Patagônia e no norte do país. Somos chefs que estivemos um tempo fora, aprendemos muitas técnicas francesas e espanholas, e depois voltamos à América do Sul para usar o conhecimento sobre nossos produtos, que são de primeira qualidade. Isso é uma boa mistura.
ÉPOCA – Como fazer essa mistura?
Palomo – A cozinha molecular é uma evolução da cozinha francesa. Para fazer um molho de cordeiro ou pescado, usamos a técnica francesa. Desse molho, a cozinha molecular faz uma gelatina, por exemplo. Mas, para misturar com a cozinha tradicional, é preciso pensar no sabor, mais do que na beleza da apresentação. Se não há sabor, não se vende um só prato. Eu já encontrei ingredientes muito bons da cultura mapuche que posso combinar com técnicas modernas. Um exemplo é o curanto, um prato tradicional com frango, carne de boi, bacon, salsicha, vinho, vôngole, mexilhão, merken (tempero típico chileno, feito com especiarias), uma sopa muito saborosa. Nós filtramos esse líquido e fazemos um molho, aplicando uma técnica moderna com goma xantana, um espessante que não muda o sabor do alimento. Conseguimos aplicar essas técnicas supermodernas a pratos que têm 500 anos! E aproveitamos para mostrar aos chilenos que eles têm ingredientes muito bons.
ÉPOCA – O que você já conheceu da gastronomia brasileira?
Palomo – Fui ao Mercado Municipal hoje e gastei 80 reais em frutas (risos). São frutas que não vejo no Chile, como caju, mangostim e jabuticaba. Também experimentei feijoada, farofa, pão de queijo, pastel de bacalhau, sanduíche de mortadela... A picanha que comi agora há pouco estava incrível! No Chile também tem carne de boi, mas o corte e o modo de cozinhá-la são diferentes. Lá não tem cupim, por exemplo.
ÉPOCA – Você sempre teve a idéia de recuperar os produtos chilenos?
Palomo – Não. Quando estava em Nova York, sempre tinha o melhor cordeiro, o melhor atum, 20 tipos de tomate, 20 tipos de outros produtos.... No Chile tem dois tipos de tomate, mas o sabor é 10 vezes melhor do que os de Nova York. Quando fui para a Espalha trabalhar com Juan Mari Arzak e Ferran Adrià, vi que eles sempre estão buscando novidades. Seus restaurantes têm uma demanda, quase obrigação, de fazer algo novo todos os anos. Depois da experiência com eles, comecei a buscar técnicas, produtos, inspirações... Se você aprende a cozinhar com a persistência de Juan Mari e Adriá, vai exigir de si mesmo essa postura. Então se cobra de ir ao mercado, perguntar às pessoas e buscar ingredientes novos. Se não recuperar a cozinha regional agora, será difícil distinguir a cozinha tradicional de cada país – uma vez que a globalização mistura todas elas. Aqui em São Paulo, encontrei com dois chefs mapuches e, dos 20 pratos que eles iam servir em um coquetel, eu não conhecia nenhum. Vou observar e, quando chegar ao Chile, farei na cozinha do meu restaurante.
ÉPOCA – Como foi sua experiência de seis meses ao lado de Ferran Adrià?
Palomo – Esse é o sonho de todo cozinheiro. Todos querem estar com ele pelo menos um dia. Quando estava trabalhando lá, tinha gente que batia na porta só para ver a cozinha ou nos espiava pela janela (risos). Em seis meses, aprendi mais do que em dois anos em qualquer outra cozinha. E há muita mística ao redor do Adrià. Se ele abrisse um restaurante em Manhattan, não teria a metade do sucesso que tem. Mas o El Bulli está em um parque nacional, tem cultivo de ervas frescas e naturais, só abre seis meses no ano e é de difícil acesso. Há muitos fatores que contribuem para que ele seja um fenômemo. Se estivesse no meio de Nova York, era só pegar um metrô para ir, comer e sair. Mas, para ir ao El Bulli, é preciso chegar a Barcelona, ir a Girona, a Roses e, então, pegar uma estradinha de terra para o restaurante. De carro, dá duas horas. Imagine um restaurante de superluxo que está em um lugar que praticamente não existe: é como fazer um restaurante de superluxo em Jericoacoara. As pessoas querem ir porque está longe, um restaurante desse tipo em uma grande cidade seria só mais um.
ÉPOCA – Por que você voltou ao Chile para montar seu restaurante?
Palomo – Parte de minha família vive no Chile, mas voltei pela qualidade dos produtos. Os clientes não são tão bons, mas o Chile é um lugar onde se pode investigar, há muito para recuperar. Temos os melhores pescados, vinhos e azeites e estamos descobrindo coisas novas, como uma cereja branca, chama lleuque, que é uma fruta pequena, além de algumas berries, a murtilla, a murta, a rosa mosqueta, piñones, que são parecidos com o pinhão. Também temos muitos cogumelos, 28 espécies comestíveis e cinco são conhecidas em nível mundial. São produtos que temos que resgatar e levar para que as pessoas experimentem. Temos um cogumelo muito bonito, branco, com um ponto vermelho, que se chama digueñe. É delicioso, mas não dura mais que um dia. São produtos consumidos só na região de origem, como o mangostim aqui no Brasil.
ÉPOCA – "Sukalde" significa cozinha no idioma basco. Por que você escolheu uma palavra basca?
Palomo – Porque eu vivi um ano e meio no País Basco, trabalhando no Arzak. A gente ia se divertir na parte velha de San Sebastián (cidade onde fica o restaurante), onde estão os bares de tapas. Eles são pequenos e têm duas portas internas, uma do banheiro e outra da cozinha. Em todos, havia uma placa escrita "sukalde" e outra com uma imagem, que indicava o banheiro. Eu sempre me perguntava o que significava sukalde e descobri que era cozinha. Desde então, quando tivesse um restaurante, decidi que teria esse nome.
ÉPOCA – Qual é a melhor comida do mundo?
Palomo – A melhor comida do mundo não existe, todas são boas. Eu gosto da comida mexicana porque eu nasci no México. Por isso sou tolerante aos sabores picantes; os sabores mexicanos são muito familiares para mim. Mas posso ir a Índia e comer uma samosa (uma espécie de pastel recheado de legumes e especiarias) e ser feliz, assim como a comida árabe, o sushi, o que quiser. Se está bem preparado, pode ser qualquer uma. De repente, um foie gras ruim é pior do que um tomate muito bom.
ÉPOCA – Você conhece Alex Atala?
Palomo – Não. Li sobre o que ele faz e vamos nos encontrar nessa semana. Eu quero fazer uma rede de chefs latino-americanos, um grupo como o que temos no Chile, em que somos todos amigos. Já tenho contato com pessoas do Peru, Argentina, Venezuela e México e, agora, aqui. Quando tiver de todos os países, vou organizar um evento de cozinha regional, em que cada país irá expor seus produtos. Será como o "Madrid Fusion", mas apoiando a gastronomia daqui, com os produtos daqui.
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