Gastronomia/Memória
Precursor da "nouvelle cuisine", Lenôtre revolucionou confeitaria
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
A morte do chef pâtissier (confeiteiro) Gaston Lenôtre na última quinta-feira, aos 88 anos, de câncer, em sua casa no interior da França, é uma oportunidade de evocar muito da trajetória da moderna cozinha francesa da segunda metade do século 20 -e que, como exemplifica o caso dele, fincou raízes que se multiplicam até hoje.
Lenôtre, nascido em 1920 na região da Normandia, foi um dos luminares da "nouvelle cuisine" francesa, movimento que se impôs nos anos 70 e 80, modernizando os procedimentos culinários, desde os ingredientes (mais frescos) e as técnicas (cozimentos mais rápidos, molhos mais leves, valorização dos sabores originais, menos superposição de sabores) até a apresentação, plasticamente minimalista, dos pratos.
Mas ele não foi apenas mais um nesse movimento. Foi um dos precursores -pois seus doces já mostravam tais características desde os anos 60; e foi também o único confeiteiro numa turma que reunia chefs de cozinha como Chapel, Bocuse, Troisgros, Vergé e Guérard.
Se foi um pioneiro em suas técnicas, com os doces mais leves e de sabores inusitados que começou a servir em sua primeira loja parisiense, em 1957, foi ele também o primeiro a consolidar uma marca e expandi-la, como o fariam depois seus colegas de geração (que abririam vários restaurantes, emprestariam seus nomes a panelas e fogões e se tornariam celebridades).
A marca Lenôtre se tornou uma rede de confeitarias de sucesso, uma escola para jovens aprendizes e nome de um importante bufê. Ele foi também proprietário do estrelado restaurante Le Pré Catelan, em Paris, inaugurado em 1976.
Seu pequeno império foi comprado em 1985 pelo grupo hoteleiro e de alimentação Accor (proprietário, entre outros, da rede de hotéis Sofitel). A partir de então, Lenôtre começou o caminho da aposentadoria, mas mantendo-se por um bom tempo como uma espécie de embaixador do grupo -que, com 52 lojas em 13 países e 1.200 empregados somente na França, faturou US$ 162 milhões em 2008 (cerca de R$ 370 milhões).
Exemplos da influência duradoura de Gaston Lenôtre? Alguns de seus doces são encontrados até hoje, não somente em suas confeitarias (como o Opéra, feito de amêndoas, café e crosta de chocolate, e o Succès, de nougatine e praliné de amêndoas).
Além disso, entre os principais pâtissiers da atualidade, estão ex-alunos seus, como Pierre Hermé. E até mesmo no Brasil é bom lembrar que, na abertura da filial do Le Pré Catelan no Rio de Janeiro, nos anos 80, foi Lenôtre quem nomeou um jovem chef francês para tomar conta da casa: Claude Troisgros, até hoje um dos mais importantes chefs de cozinha do Brasil.
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